Silêncio. Esse o caminho seguido por Gabriel Estrela, de 26 anos, ao descobrir que eu vivia com HIV. Como ele mesmo conta, foram necessários alguns anos para que o diagnóstico fosse devidamente processado internamente e, finalmente, externado.
Gabriel não esperava o resultado positivo em 2010, quando fez o teste. “Acho que ninguém espera; ninguém espera que vai bater o carro, que o chão vai desabar de repente, que vai cair um raio. Ninguém acredita, mas essas coisas acontecem”, diz Gabriel.“Eu gosto dessa perspectiva porque a gente tira um pouco a noção de causa e consequência do processo da infecção pelo HIV. Por que você pegou? Como você pegou? Ah, eu transei sem camisinha e peguei. Mas não é tão simples assim, existe todo um contexto de vulnerabilidades que me levou para essa trajetória em que o HIV aconteceu.”
Na época, em 2010, no entanto, Gabriel não tinha essa clareza. “Não tinha essa noção, era surreal; e odeio quando as pessoas dizem, num contexto exclusivo, ‘o jovem acha que não vai acontecer com ele. Ora, o jovem, o velho, o rico, o pobre, ninguém acha que vai acontecer. Então fiquei muito sem chão”, diz. “E estar tão desesperado, me levou para a minha família, que me amparou. Tive muito pouco tempo desse desespero solitário que muita gente passa anos, às vezes a vida toda, sofrendo. Saí do médico de manhã e na hora do almoço já estava na casa da minha mãe, contando para ela que tinha o HIV.”
Mãe e filho choraram juntos sobre o diagnóstico. E Gabriel passou o restante do dia dormindo. “Quando acordei, no final da tarde, início da noite, meu pai e minha irmã estavam deitados na cama ao meu lado, todos muito dispostos a me ajudar. Então tive um desespero inicial, mas fui acolhido muito rapidamente.”Naquele momento inicial, no entanto, Gabriel decidiu que apenas poucas pessoas saberiam do diagnóstico. “Mantive a questão muito íntima, somente a família e os amigos mais próximos sabiam.” Um ano depois, ele começou a sentir a necessidade de exteriorizar a questão de alguma forma. “Escrevi uma peça e montei, sem falar que era autobiográfica, mas foi uma forma de lidar com a questão do HIV. E colocar para fora me ajudou muito a organizar e aceitar. Foi uma experiência muito boa, mas percebi que ainda não estava pronto para falar sobre aquilo abertamente. Então voltei a ficar silencioso sobre o HIV.”
Desse silêncio, as cortinas se abriram para que sua voz não mais se calasse...
A vontade de falar sobre a infecção só voltou dois anos depois, em 2014, quando Gabriel fazia trabalho voluntário numa ONG que atendia crianças vivendo ou convivendo com o vírus.
“Eu fazia teatro e fiz uma performance em que contava que vivia com HIV”, lembra ele. “Ir contando, não para que as pessoas soubessem, mas para que eu mesmo me habituasse com o fato de que eu vivia com HIV; repetir aquilo ajudava a tirar um pouquinho do estigma e me deixava mais à vontade com aquela situação. Porque é muito ruim ter alguma coisa na gente sobre a qual você não se sente confortável de falar. Isso impede muitos processos de cura.”
A estratégia funcionou e Gabriel combinou consigo mesmo que, no ano seguinte, voltaria a encenar a peça só que, dessa vez, dizendo que era autobiográfica e que ele vivia com o HIV. “Uma coisa que me incomodou muito em 2012, quando a peça foi encenada pela primeira vez, foi ver algumas pessoas que iam assistir, e isso era recorrente, dizer que aquilo tudo era muito utópico, que não vida real não era assim”, lembra.
É que na peça de Gabriel, o personagem principal, quando se descobria vivendo com HIV , recebia o apoio da família, bem como do namorado e da melhor amiga. “Porque essa era a minha história, que foi de muito apoio, de amor”, conta. “E ficava muito indignado do tanto que as pessoas eram incrédulas sobre a minha história.”
Ao participar de encontros de jovens vivendo com HIV e de grupos na internet, a constatação—recorrente no caso dos mais jovens—de que o assunto era tratado apenas de forma clínica ou só do ponto de vista de saúde pública levou Gabriel a se mexer. “Se falava pouco de experiências pessoais, afeto, carinho, medo. E eu decidi que queria fazer esse trabalho”, diz. Um post no Facebook e uma participação em um vídeo da youtuber Jout Jout—cujo canal tem mais de um milhão de seguidores—foi o pontapé inicial de seu trabalho on-line no Projeto Boa Sorte.
“Hoje eu costumo dizer que é all-line, não só on-line, não só off-line”, conta Gabriel que, desde então, rompeu de vez o silêncio. “Porque a gente faz musical, show de música, ensaio fotográfico, projetos de educação, além do canal.”
Conheça mais o Gabriel Estrela e seu trabalho: @biel.estrela (Instagram) e Projeto Boa Sorte (YouTube)