Silvia Almeida

54 anos, ativista e consultora

O resultado positivo chegou para Silvia Almeida, de 54 anos, junto com uma grande sensação de alívio. É que no início de 1994, quando ela fez o teste para o HIV, não estava sozinha. O filho, de apenas um ano e quatro meses de idade, também foi testado. E o resultado dele foi negativo.

"Eu, claro, com 14 anos de casamento, sem usar camisinha, tinha certeza de que estaria com HIV. Minha preocupação era, na verdade, com o meu filho. E não deu outra, eu já estava com o vírus. Mas ele não."

Os anos seguintes foram ainda mais duros para Silvia. Além de lidar com a notícia de que era uma pessoa vivendo com HIV, ela cuidou do marido, já então muito doente, até sua morte, em julho de 1996. "O estado terminal dele durou dois anos, foi muito sofrimento", lembra ela. "A gente se gostava muito e vê-lo partir daquele jeito não foi fácil."

Ao sofrimento de ver o companheiro de toda a vida morrer, havia ainda que lidar com a informação de que tinha sido infectada por ele. E como será que ele se tornou soropositivo?

"Com todas as dúvidas, eu preferi não focar em como isso aconteceu, em como ele pegou, por que pegou, o que fez...", conta Silvia. "A verdade é que nada disso adiantava ou fazia diferença. E acho que nem ele sabia o que estava acontecendo direito. Então preferi não me ater em como ele se infectou."

Os dois sofreram juntos. "Eu cuidei dele até o fim", diz." Eu queria muito que ele tivesse conseguido esperar pela medicação. Mas ele morreu em julho, e o AZT—um dos primeiros antirretrovirais aprovados para uso no Brasil—só começou a ser entregue no fim daquele ano."

A nova vida de Silvia estava apenas começando...

Silvia se casou muito jovem, com apenas 18 anos, ao se descobrir grávida da primeira filha. "Isso foi em 1981", conta ela. "Ele também era muito jovem, tinha 22 anos. Tivemos nossa filha e, durante nove anos das nossas vidas, foi tudo normal. Casamento, trabalho, família, a gente vivia muito bem. Em 1990, eu engravidei de novo e, no ano seguinte, tive o nosso segundo filho. Um ano depois, meu marido começou a ficar muito doente."

A sogra de Silvia, por coincidência, trabalhava num ambulatório especializado no atendimento de casos de AIDS. "Ele começou a ter muitos sintomas de doenças oportunistas, e a mãe entendeu que ele poderia estar infectado, mesmo a gente não sendo o que se chamava na época de grupo de risco¹. Então ele foi fazer o teste e, no final de 1993, veio o resultado positivo. Mas ele já estava doente, teve tuberculose, pancreatite, um problema nas pernas."

Com a morte do marido, três anos depois do diagnóstico, estava viúva, vivendo com HIV e com duas crianças para criar. Por sorte, ela trabalhava numa empresa multinacional que foi uma das pioneiras no país a oferecer programas especiais de apoio e inclusão para funcionários soropositivos.

"Quando meu marido ficou doente, eu acabei tendo que contar no trabalho, porque é claro que uma coisa dessas afeta sua vida profissional; comecei a ter um desempenho muito baixo e tive que contar para minha chefe", lembra Silvia. "Por coincidência ela tinha perdido um primo que morreu pela AIDS início dos anos 90, então foi muito solidária, me ajudou muito."

Também por coincidência, naquele mesmo ano, um diretor da empresa chegou da África do Sul para assumir um cargo no Brasil. No país africano, a empresa já havia desenhado uma política interna de prevenção e tratamento para os funcionários. Logo que chegou à filial brasileira e soube da história de Silvia, o diretor se dispôs a trazer para o Brasil todos os benefícios dados aos empregados sul-africanos.

"Tive meu sigilo respeitado até quando quis, tive medicamentos comprados pela empresa, tive a liberdade de faltar todas as vezes que precisasse, sem ser descontada", enumerou Silvia. "E a vida financeira neste momento é muito importante. Porque está tudo de cabeça para baixo. Se não tiver como se sustentar, é uma loucura."

Desde essa época também, Silvia passou a trabalhar para uma ONG, da qual faz parte até hoje, o Grupo de Incentivo à Vida (GIV). "Com o apoio da empresa, eu consegui ser ativista e me manter de forma sustentável, com tranquilidade, e isso foi fazendo com que eu entendesse a importância de uma mulher hétero, numa relação estável, com dois filhos também falar sobre o problema, ter visibilidade; de começar a desconstruir essa imagem, de me empoderar."

Depois de 25 anos como telefonista, Silvia foi trabalhar na área de responsabilidade social da empresa. "Implementei no Brasil a política de AIDS que a empresa tinha na África do Sul", conta. Depois de 30 anos na empresa, Silvia se aposentou e abriu uma consultoria para orientar empresas e empregados a falarem do tema no local de trabalho. Há um ano trabalha também como consultora do UNAIDS em ações em São Paulo.

A vida amorosa de Silvia também seguiu seu curso. Dois anos depois de perder o marido, começou a namorar um homem que vivia com HIV. "Ficamos juntos por muitos anos, mas terminou. Agora estou há cinco anos em um relacionamento sorodiferente. Ele não vive com HIV."

Silvia já conhecia o atual namorado há alguns anos, mas eles eram apenas amigos. Solteira novamente, voltou a trocar mensagens com o sujeito que, um belo dia, a chamou para visitá-lo em Sorocaba, onde morava. "Ele não sabia do HIV", lembra ela. "Eu não podia ir para a casa dele sem que ele soubesse disso. Mandei então um e-mail com uma reportagem onde contavam toda a minha história. Vinte minutos depois ele me ligou e disse, simplesmente: 'a que horas posso te esperar na rodoviária'? Aí eu apaixonei, né?"

A moral da história, para Silvia, é que, apesar dos pesares, sempre tem coisa boa acontecendo. "Na AIDS, nesse movimento todo, tem tanta história linda, história de amor, de reconstrução de vida, de solidariedade. É legal ter HIV? Claro que não. Mas é importante saber que qualquer um que tenha uma vida sexual ativa é vulnerável ao vírus. As pessoas precisam cair na real. O HIV está no mundo, é diz respeito a todo mundo."

¹ Este foi um termo utilizado incorretamente no início da resposta da epidemia. O fato de pertencer a grupos não é um fator de risco; mas os comportamentos podem ser, assim como as camadas de vulnerabilidade e determinantes sociais às quais as pessoas estão submetidas. A utilização do termo “grupo de alto risco” pode criar um falso senso de segurança entre pessoas que têm comportamentos de risco ou estão expostas ao vírus por outros motivos, mas não se identificam com tais grupos, além de contribuir para um aumento do estigma e a discriminação contra determinados grupos populacionais.

Conheça mais a Silvia Almeida e seu trabalho: @silviaadalmeida (Instagram)