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Entenda mais sobre a eficácia dos testes rápidos de HIV e sobre o que é um teste confirmatório. Conheça também o conceito de janela imunológica e quando o teste deve ser feito.
Saiba mais“PÁ! Primeira sensação é isso. Parecia um PÁÁÁ. Não sei como definir”. Esse é o Gabriel Comicholi, de 23 anos, ator e youtuber, contando, online, como recebeu a notícia de que vivia com HIV. Logo depois, achou que ia morrer. Mas em pouco tempo, conseguiu processar de forma mais positiva o diagnóstico e transformá-lo em combustível para se expressar e disseminar informações em um canal no YouTube. A descoberta ocorreu no início de 2016, depois de um exame de rotina.
Num belo dia, Gabriel acordou com uma “bola no pescoço”, como ele descreve, e foi ao médico. A suspeita inicial era de uma prosaica caxumba, mas o especialista aproveitou sua ida ao consultório para pedir uma batelada de exames, entre eles o de HIV. Todos os resultados saíram, menos o do HIV. Gabriel recebeu então um telefonema do laboratório, informando que o teste tinha dado positivo e que seria preciso repeti-lo. O novo teste confirmou o diagnóstico.
Mesmo sem entender direito o que estava acontecendo, Gabriel foi para a frente do celular e gravou um vídeo de quase dez minutos (que seria o primeiro do seu canal no YouTube) falando sobre o diagnóstico e sobre o que estava sentindo. Ele também tratou de fazer um Skype com a mãe, que estava em Curitiba, enquanto ele vivia sozinho no Rio, e ela, imediatamente, mandou uma passagem para ele voltar para a sua cidade natal.
“Eu não esperava (o diagnóstico), nem imaginava, não sabia nem o que era direito”, admite ele. “Tinha uma ideia bem distante, bem distante mesmo; sabia que em alguma época pessoas morreram disso e ponto.” O primeiro contato com a família acabou sendo mais triste. “Acho que foi pior para a minha família do que para mim. Minha mãe chorou, teve todo aquele lance de achar que eu ia morrer no dia seguinte. Então, como era leigo, embarquei um pouco nessa onda ‘meu deus, estou com AIDS; meu deus, eu morro amanhã; meu deus, tenho tanta gente pra me despedir.’” Mas passado esse momento inicial, Gabriel começou a pesquisar sobre o vírus e a doença. “Na internet, percebi que havia muito material oficial, informação muito rebuscada, médica; no YouTube, então, não havia quase nada. Resolvi botar a minha cara nessa”, conta.
“Coloquei o vídeo que tinha feito na internet. E foi uma loucura. Foi quando o HIV entrou com tudo na minha vida...”
Ruggery é gato. Bem gato. Moreno, alto, atlético. O rosto bonito é adornado por uns óculos estilosos, um corte de cabelo da moda e uma barba cuidadosamente aparada. No antebraço direito dá para entrever a tatuagem de um avião – uma de suas grandes paixões.
Além de ativista, o jovem de 28 anos é militar reformado pela Aeronáutica, formado em Gestão Pública e, atualmente, cursa a faculdade de Serviço Social. Seu sonho é se tornar professor universitário. Enquanto isso não acontece, ele presta trabalho voluntário para diversas ONGs e gosta de praticar esportes. Já correu três vezes a Meia Maratona do Rio e duas vezes a São Silvestre, em São Paulo.
Ruggery se identifica como a nova cara da epidemia de HIV.
“Eu disse em certa vez em uma entrevista que eu era ‘a cara da AIDS’. A frase surgiu desse estigma que ronda a doença: muita gente ainda acha que quem tem o vírus é muito magro, tem cara de doente, é necessariamente gay”, explica o estudante. “Eu usei a frase para dizer que não é assim, não tem isso, não existe ‘cara da AIDS’. O HIV não escolhe classe social, raça, sexo. Eu sou uma pessoa como outra qualquer e eu também sou a cara dessa epidemia.” Mas nem sempre foi tão simples assim falar de sua condição…
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Qual é a diferença entre HIV e AIDS? É importante conhecer até os conceitos mais básicos para que a informação se torne sua aliada. Veja como manter sua imunidade alta e ter saúde.
Saiba maisO resultado positivo chegou para Silvia Almeida, de 54 anos, junto com uma grande sensação de alívio. É que no início de 1994, quando ela fez o teste para o HIV, não estava sozinha. O filho, de apenas um ano e quatro meses de idade, também foi testado. E o resultado dele foi negativo.
"Eu, claro, com 14 anos de casamento, sem usar camisinha, tinha certeza de que estaria com HIV. Minha preocupação era, na verdade, com o meu filho. E não deu outra, eu já estava com o vírus. Mas ele não."
Os anos seguintes foram ainda mais duros para Silvia. Além de lidar com a notícia de que era uma pessoa vivendo com HIV, ela cuidou do marido, já então muito doente, até sua morte, em julho de 1996. "O estado terminal dele durou dois anos, foi muito sofrimento", lembra ela. "A gente se gostava muito e vê-lo partir daquele jeito não foi fácil."
Ao sofrimento de ver o companheiro de toda a vida morrer, havia ainda que lidar com a informação de que tinha sido infectada por ele. E como será que ele se tornou soropositivo?
"Com todas as dúvidas, eu preferi não focar em como isso aconteceu, em como ele pegou, por que pegou, o que fez...", conta Silvia. "A verdade é que nada disso adiantava ou fazia diferença. E acho que nem ele sabia o que estava acontecendo direito. Então preferi não me ater em como ele se infectou."
Os dois sofreram juntos. "Eu cuidei dele até o fim", diz." Eu queria muito que ele tivesse conseguido esperar pela medicação. Mas ele morreu em julho, e o AZT—um dos primeiros antirretrovirais aprovados para uso no Brasil—só começou a ser entregue no fim daquele ano."
A nova vida de Silvia estava apenas começando...
Silêncio. Esse o caminho seguido por Gabriel Estrela, de 26 anos, ao descobrir que eu vivia com HIV. Como ele mesmo conta, foram necessários alguns anos para que o diagnóstico fosse devidamente processado internamente e, finalmente, externado.
Gabriel não esperava o resultado positivo em 2010, quando fez o teste. “Acho que ninguém espera; ninguém espera que vai bater o carro, que o chão vai desabar de repente, que vai cair um raio. Ninguém acredita, mas essas coisas acontecem”, diz Gabriel.“Eu gosto dessa perspectiva porque a gente tira um pouco a noção de causa e consequência do processo da infecção pelo HIV. Por que você pegou? Como você pegou? Ah, eu transei sem camisinha e peguei. Mas não é tão simples assim, existe todo um contexto de vulnerabilidades que me levou para essa trajetória em que o HIV aconteceu.”
Na época, em 2010, no entanto, Gabriel não tinha essa clareza. “Não tinha essa noção, era surreal; e odeio quando as pessoas dizem, num contexto exclusivo, ‘o jovem acha que não vai acontecer com ele. Ora, o jovem, o velho, o rico, o pobre, ninguém acha que vai acontecer. Então fiquei muito sem chão”, diz. “E estar tão desesperado, me levou para a minha família, que me amparou. Tive muito pouco tempo desse desespero solitário que muita gente passa anos, às vezes a vida toda, sofrendo. Saí do médico de manhã e na hora do almoço já estava na casa da minha mãe, contando para ela que tinha o HIV.”
Mãe e filho choraram juntos sobre o diagnóstico. E Gabriel passou o restante do dia dormindo. “Quando acordei, no final da tarde, início da noite, meu pai e minha irmã estavam deitados na cama ao meu lado, todos muito dispostos a me ajudar. Então tive um desespero inicial, mas fui acolhido muito rapidamente.”Naquele momento inicial, no entanto, Gabriel decidiu que apenas poucas pessoas saberiam do diagnóstico. “Mantive a questão muito íntima, somente a família e os amigos mais próximos sabiam.” Um ano depois, ele começou a sentir a necessidade de exteriorizar a questão de alguma forma. “Escrevi uma peça e montei, sem falar que era autobiográfica, mas foi uma forma de lidar com a questão do HIV. E colocar para fora me ajudou muito a organizar e aceitar. Foi uma experiência muito boa, mas percebi que ainda não estava pronto para falar sobre aquilo abertamente. Então voltei a ficar silencioso sobre o HIV.”
Desse silêncio, as cortinas se abriram para sua voz não mais se calasse...
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Conheça as diferentes formas de transmissão do HIV e o leque de opções para combinar na hora de se prevenir. Saiba mais sobre a prevenção combinada e como ela se adapta a sua vida.
Saiba maisPara o estrategista de marketing e youtuber João Geraldo Netto, de 36 anos, o diagnóstico chegou há dez anos como uma bomba. Ele vivia um relacionamento estável há seis anos com um outro homem que, ele sabia, não tinha o HIV. O resultado positivo foi uma grande surpresa. “Nunca imaginei isso”, conta ele. “Surtei, fiquei louco, chorei muito, achei que tinha infectado ele.”
A soropositividade estava tão fora de questão que João nunca tinha feito o teste. “Fomos nos matricular numa academia e o médico pediu vários exames, entre eles, o de HIV. Eu cheguei a argumentar que não precisava porque sabia que meu namorado era negativo, tinha doado sangue fazia pouco tempo, mas ele insistiu e eu cedi.”2 De fato, o exame do namorado de João deu negativo. Mas o dele não. “Eu já devia estar infectado desde os 20 anos sem saber. E eu também não estava doente, não sentia nada.”
O namorado de João foi muito companheiro, segundo ele mesmo atesta. “Ficou junto de mim o tempo todo, se mostrou preocupado comigo. Tanto assim que continuamos o relacionamento por mais três anos e terminamos por outros motivos. Nesse sentido, não houve nenhum tipo de problema”, conta.
Como tantos outros que, naquela idade, testaram positivo, João foi para a internet pesquisar sobre a infecção. E como tantos outros também, descobriu que a maior parte das informações disponíveis online era do Ministério da Saúde ou de hospitais. “Não tinha ninguém que falasse sobre isso (de forma menos formal)”, constatou João que, imediatamente, resolveu assumir a tarefa. “Comecei a fazer vídeos simples, em casa mesmo, falando sobre o tema. Fui um dos primeiros a falar no YouTube sobre HIV e AIDS. E teve repercussão, as pessoas gostavam.”
Esses vídeos mexeram com a vida de João em todos os sentidos…
Quando recebeu o resultado positivo para o HIV, em 2009, o ator e bailarino Rafael Bolacha, de 34 anos, foi até a praia (ele estava morando no Rio de Janeiro na época). Era noite, mas ele sentou na areia e chorou. “Sentei lá e chorei tudo o que tinha para chorar”, contou ele.
Naquele momento, ele pensou nas coisas que ele (achava na época) não poderia mais fazer, como ser pai ou continuar vivendo de seu trabalho como bailarino. Mas não passou por sua cabeça todas as coisas que conquistaria nos anos seguintes, como ter se transformado em um escritor, cineasta e ativista.
“Descobri (que estava vivendo com HIV) em 2009, por conta de uma diarreia”, conta Rafael. “Foi muito complicado. Naquela época, não se tinha muitas histórias, as referências eram antigas, foi difícil entender o que ia mudar na minha vida. Decidi parar alguns trabalhos, como ator e bailarino, e fui fazer uma faculdade de produção e política cultural no Rio. Foram três anos de faculdade.”
Na época, Rafael começou a escrever um blog, que chamou de Uma Vida Positiva. “Escrevendo, pude quebrar meus preconceitos, me entender, entender o que mudava na minha vida ou não, entender a rotina da medicação”, lembra. “Foi quando comecei a trocar informações com outras pessoas, familiares e gente que me mandava e-mails; vi que tínhamos uma carência enorme de pessoas abordando o tema. Então me lembro de ter pensado: poxa, se eu consigo ajudar pessoas assim, se eu colocar a minha cara, vou poder ajudar muito mais.”
Rafael decidiu, então, lançar um livro, com base nos próprios relatos feitos no blog. O livro, que recebeu o mesmo nome do blog, foi lançado no Dia Mundial contra a AIDS (1० de dezembro) de 2012. O lançamento rendeu uma longa entrevista ao jornal O Globo, com direito a uma chamada na primeira página.
“Era o meu nome e a minha cara na capa do jornal”, relembra. “Lembro que chorava, chorava, chorava. E quando as pessoas me perguntavam por que eu estava chorando, eu respondia: porque agora todo mundo sabe que eu vivo com HIV. Mas isso era bom ou ruim? Isso dava uma agonia enorme de pensar que iam relacionar o HIV comigo. Ao mesmo tempo, era uma liberdade sem tamanho poder ser quem eu era a partir daquele momento.”
O livro e a visibilidade como pessoa vivendo com HIV foram só o ponto de partida para vários projetos...
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Quer conhecer como funciona o tratamento de HIV? Aprenda sobre a combinação de remédios, como tomá-los, seus efeitos, risco de resistência e dicas para uma boa saúde física e mental.
Saiba maisO desespero de saber que vivia com HIV foi tão grande que a primeira coisa que passou pela cabeça do publicitário Lucas Raniel, de 26 anos, ao receber o diagnóstico, foi se matar. Mas não foi apenas um pensamento. Ele, de fato, tentou se jogar na frente de um caminhão. E houve ainda mais uma tentativa de suicídio até que Lucas pudesse lidar, de forma positiva, com o resultado, transformando-o numa forma de ajudar outras pessoas e, ao mesmo tempo, de se ajudar a aceitar as circunstâncias e continuar vivendo. Foi um longo caminho.
“Sou soropositivo há cinco anos, desde 2013”, conta Lucas. “Contrai o vírus numa noitada mesmo, numa festa da faculdade, com muita droga, com muito álcool, em que fui encontrar com um cara que conheci pelo aplicativo.” Lucas foi parar na casa do “date”, onde continuou bebendo e usando drogas. “Apaguei”, lembra ele. “Tenho flashes de memória de ele me levar para o quarto, e de eu sentir uma dor muito forte mas não conseguir me defender porque não conseguia me mexer.”
Um tempo depois, Lucas estava com sífilis perianal, mas não tinha um diagnóstico correto. Durante mais de seis meses achou que tinha hemorroidas e usava tratamentos caseiros para esse problema, postergando a ida ao médico especialista. “Eu estava emagrecendo muito, tinha manchas vermelhas pelo corpo, dor de cabeça. Acabei indo ao médico, um proctologista, que me pediu todos os exames que eu nunca tinha feito na vida, entre eles o HIV.”
Diante apenas da menção ao exame de HIV, Lucas já “deu uma pirada” e começou a fazer pesquisas na internet. “Na minha cabeça, era tudo morte. Comecei a pesquisar os sintomas e batia muito com o que eu tinha, com o que eu estava sentindo.” No dia em que foi buscar o resultado, Lucas conta que o médico foi bem seco. Disse apenas que o resultado era positivo e que iria encaminhá-lo para um infectologista.
“Eu saí do consultório desesperado, e foi minha primeira tentativa de suicídio: tentei me jogar na frente de um caminhão”, lembra. “O consultório era numa ladeira, estava no telefone com a minha mãe, mas o caminhão estava vindo e eu queria acabar com tudo ali porque não ia ter muito tempo de vida.” A mãe de Lucas, mesmo por telefone, conseguiu acalmá-lo e demovê-lo da ideia. Na época, ele estava morando em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e a mãe vivia em Colina, a 100 quilômetros de Ribeirão.
Mas o drama entre viver e morrer pautou a vida de Lucas por mais alguns anos...
Ruggery é gato. Bem gato. Moreno, alto, atlético. O rosto bonito é adornado por uns óculos estilosos, um corte de cabelo da moda e uma barba cuidadosamente aparada. No antebraço direito dá para entrever a tatuagem de um avião – uma de suas grandes paixões.
Além de ativista, o jovem de 28 anos é militar reformado pela Aeronáutica, formado em Gestão Pública e, atualmente, cursa a faculdade de Serviço Social. Seu sonho é se tornar professor universitário. Enquanto isso não acontece, ele presta trabalho voluntário para diversas ONGs e gosta de praticar esportes. Já correu três vezes a Meia Maratona do Rio e duas vezes a São Silvestre, em São Paulo.
Ruggery se identifica como a nova cara da epidemia de HIV.
“Eu disse em certa vez em uma entrevista que eu era ‘a cara da AIDS’. A frase surgiu desse estigma que ronda a doença: muita gente ainda acha que quem tem o vírus é muito magro, tem cara de doente, é necessariamente gay”, explica o estudante. “Eu usei a frase para dizer que não é assim, não tem isso, não existe ‘cara da AIDS’. O HIV não escolhe classe social, raça, sexo. Eu sou uma pessoa como outra qualquer e eu também sou a cara dessa epidemia.” Mas nem sempre foi tão simples assim falar de sua condição…
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Relacionamento sorodiferente é quando uma pessoa da relação vive com HIV e a outra não. Veja como isso é possível e aprenda sobre “estar indetectável” e sobre o direito ao sigilo.
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Num belo dia, Gabriel acordou com uma “bola no pescoço”, como ele descreve, e foi ao médico. A suspeita inicial era de uma prosaica caxumba, mas o especialista aproveitou sua ida ao consultório para pedir uma batelada de exames, entre eles o de HIV. Todos os resultados saíram, menos o do HIV. Gabriel recebeu então um telefonema do laboratório, informando que o teste tinha dado positivo e que seria preciso repeti-lo. O novo teste confirmou o diagnóstico.
Mesmo sem entender direito o que estava acontecendo, Gabriel foi para a frente do celular e gravou um vídeo de quase dez minutos (que seria o primeiro do seu canal no YouTube) falando sobre o diagnóstico e sobre o que estava sentindo. Ele também tratou de fazer um Skype com a mãe, que estava em Curitiba, enquanto ele vivia sozinho no Rio, e ela, imediatamente, mandou uma passagem para ele voltar para a sua cidade natal.
“Eu não esperava (o diagnóstico), nem imaginava, não sabia nem o que era direito”, admite ele. “Tinha uma ideia bem distante, bem distante mesmo; sabia que em alguma época pessoas morreram disso e ponto.” O primeiro contato com a família acabou sendo mais triste. “Acho que foi pior para a minha família do que para mim. Minha mãe chorou, teve todo aquele lance de achar que eu ia morrer no dia seguinte. Então, como era leigo, embarquei um pouco nessa onda ‘meu deus, estou com AIDS; meu deus, eu morro amanhã; meu deus, tenho tanta gente pra me despedir.’” Mas passado esse momento inicial, Gabriel começou a pesquisar sobre o vírus e a doença. “Na internet, percebi que havia muito material oficial, informação muito rebuscada, médica; no YouTube, então, não havia quase nada. Resolvi botar a minha cara nessa”, conta.
“Coloquei o vídeo que tinha feito na internet. E foi uma loucura. Foi quando o HIV entrou com tudo na minha vida...”
Para o estrategista de marketing e youtuber João Geraldo Netto, de 36 anos, o diagnóstico chegou há dez anos como uma bomba. Ele vivia um relacionamento estável há seis anos com um outro homem que, ele sabia, não tinha o HIV. O resultado positivo foi uma grande surpresa. “Nunca imaginei isso”, conta ele. “Surtei, fiquei louco, chorei muito, achei que tinha infectado ele.”
A soropositividade estava tão fora de questão que João nunca tinha feito o teste. “Fomos nos matricular numa academia e o médico pediu vários exames, entre eles, o de HIV. Eu cheguei a argumentar que não precisava porque sabia que meu namorado era negativo, tinha doado sangue fazia pouco tempo, mas ele insistiu e eu cedi.”2 De fato, o exame do namorado de João deu negativo. Mas o dele não. “Eu já devia estar infectado desde os 20 anos sem saber. E eu também não estava doente, não sentia nada.”
O namorado de João foi muito companheiro, segundo ele mesmo atesta. “Ficou junto de mim o tempo todo, se mostrou preocupado comigo. Tanto assim que continuamos o relacionamento por mais três anos e terminamos por outros motivos. Nesse sentido, não houve nenhum tipo de problema”, conta.
Como tantos outros que, naquela idade, testaram positivo, João foi para a internet pesquisar sobre a infecção. E como tantos outros também, descobriu que a maior parte das informações disponíveis online era do Ministério da Saúde ou de hospitais. “Não tinha ninguém que falasse sobre isso (de forma menos formal)”, constatou João que, imediatamente, resolveu assumir a tarefa. “Comecei a fazer vídeos simples, em casa mesmo, falando sobre o tema. Fui um dos primeiros a falar no YouTube sobre HIV e AIDS. E teve repercussão, as pessoas gostavam.”
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Sofreu discriminação por viver com HIV? Conheça as leis que punem como crime esse tipo de prática e os serviços disponíveis no SUS para ajudar na manutenção de uma boa saúde mental.
Saiba maisA certeza de que o exame de HIV daria positivo fez com que Lucrécia entrasse em desespero ainda antes de ter coragem de fazer o teste. O ano era 2014 e ela começou a ter uma febre alta, que não passava com nenhum remédio. Tinha também muita diarreia, náuseas, perda de peso excessiva. “Eu sentia muita fome, comia, comia, comia, mas emagrecia”, lembra ela. “Sentia muita fraqueza.”
“Fiz uma retrospectiva mental da minha vida, de tudo o que tinha feito, das práticas sexuais e fui para a internet para olhar quais eram os sinais e sintomas da AIDS. Vi que estava tudo batendo com o que eu estava sentindo e entrei em desespero”, conta Lucrécia. “Eu sabia o que tinha feito, sexualmente falando, e sem preservativo. Já sabia que ia dar positivo. Mas quando recebi o resultado, para mim aquilo era um ponto final.”
Naquela época, Lucrécia cursava o sexto período de geografia, em Palmas, na Universidade Federal do Tocantins. O diagnóstico veio como uma bomba em sua vida. “Para mim, foi como se tudo tivesse acabado”, diz ela, que, na ocasião, trancou a faculdade e voltou para sua cidade, no interior do estado. Lucrécia lembra que teve várias intercorrências médicas.
“Mesmo tomando o remédio, a minha imunidade baixou muito, meu organismo não aceitava a medicação”, afirma ela. “Meu psicológico também estava muito ruim, não conseguia levantar, tomar banho, me arrumar. A vida para mim tinha acabado, estava tudo escuro.”
Mas este foi só o começo de uma trajetória cheia de superações…
Silêncio. Esse o caminho seguido por Gabriel Estrela, de 26 anos, ao descobrir que eu vivia com HIV. Como ele mesmo conta, foram necessários alguns anos para que o diagnóstico fosse devidamente processado internamente e, finalmente, externado.
Gabriel não esperava o resultado positivo em 2010, quando fez o teste. “Acho que ninguém espera; ninguém espera que vai bater o carro, que o chão vai desabar de repente, que vai cair um raio. Ninguém acredita, mas essas coisas acontecem”, diz Gabriel.“Eu gosto dessa perspectiva porque a gente tira um pouco a noção de causa e consequência do processo da infecção pelo HIV. Por que você pegou? Como você pegou? Ah, eu transei sem camisinha e peguei. Mas não é tão simples assim, existe todo um contexto de vulnerabilidades que me levou para essa trajetória em que o HIV aconteceu.”
Na época, em 2010, no entanto, Gabriel não tinha essa clareza. “Não tinha essa noção, era surreal; e odeio quando as pessoas dizem, num contexto exclusivo, ‘o jovem acha que não vai acontecer com ele. Ora, o jovem, o velho, o rico, o pobre, ninguém acha que vai acontecer. Então fiquei muito sem chão”, diz. “E estar tão desesperado, me levou para a minha família, que me amparou. Tive muito pouco tempo desse desespero solitário que muita gente passa anos, às vezes a vida toda, sofrendo. Saí do médico de manhã e na hora do almoço já estava na casa da minha mãe, contando para ela que tinha o HIV.”
Mãe e filho choraram juntos sobre o diagnóstico. E Gabriel passou o restante do dia dormindo. “Quando acordei, no final da tarde, início da noite, meu pai e minha irmã estavam deitados na cama ao meu lado, todos muito dispostos a me ajudar. Então tive um desespero inicial, mas fui acolhido muito rapidamente.”Naquele momento inicial, no entanto, Gabriel decidiu que apenas poucas pessoas saberiam do diagnóstico. “Mantive a questão muito íntima, somente a família e os amigos mais próximos sabiam.” Um ano depois, ele começou a sentir a necessidade de exteriorizar a questão de alguma forma. “Escrevi uma peça e montei, sem falar que era autobiográfica, mas foi uma forma de lidar com a questão do HIV. E colocar para fora me ajudou muito a organizar e aceitar. Foi uma experiência muito boa, mas percebi que ainda não estava pronto para falar sobre aquilo abertamente. Então voltei a ficar silencioso sobre o HIV.”
Desse silêncio, as cortinas se abriram para que sua voz não mais se calasse...
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Sabe o que fazer se seus direitos como pessoa vivendo com HIV são violados? Conheça os canais disponíveis para denúncias e alguns dos direitos importantes garantidos por lei.
Saiba maisO desespero de saber que vivia com HIV foi tão grande que a primeira coisa que passou pela cabeça do publicitário Lucas Raniel, de 26 anos, ao receber o diagnóstico, foi se matar. Mas não foi apenas um pensamento. Ele, de fato, tentou se jogar na frente de um caminhão. E houve ainda mais uma tentativa de suicídio até que Lucas pudesse lidar, de forma positiva, com o resultado, transformando-o numa forma de ajudar outras pessoas e, ao mesmo tempo, de se ajudar a aceitar as circunstâncias e continuar vivendo. Foi um longo caminho.
“Sou soropositivo há cinco anos, desde 2013”, conta Lucas. “Contrai o vírus numa noitada mesmo, numa festa da faculdade, com muita droga, com muito álcool, em que fui encontrar com um cara que conheci pelo aplicativo.” Lucas foi parar na casa do “date”, onde continuou bebendo e usando drogas. “Apaguei”, lembra ele. “Tenho flashes de memória de ele me levar para o quarto, e de eu sentir uma dor muito forte mas não conseguir me defender porque não conseguia me mexer.”
Um tempo depois, Lucas estava com sífilis perianal, mas não tinha um diagnóstico correto. Durante mais de seis meses achou que tinha hemorroidas e usava tratamentos caseiros para esse problema, postergando a ida ao médico especialista. “Eu estava emagrecendo muito, tinha manchas vermelhas pelo corpo, dor de cabeça. Acabei indo ao médico, um proctologista, que me pediu todos os exames que eu nunca tinha feito na vida, entre eles o HIV.”
Diante apenas da menção ao exame de HIV, Lucas já “deu uma pirada” e começou a fazer pesquisas na internet. “Na minha cabeça, era tudo morte. Comecei a pesquisar os sintomas e batia muito com o que eu tinha, com o que eu estava sentindo.” No dia em que foi buscar o resultado, Lucas conta que o médico foi bem seco. Disse apenas que o resultado era positivo e que iria encaminhá-lo para um infectologista.
“Eu saí do consultório desesperado, e foi minha primeira tentativa de suicídio: tentei me jogar na frente de um caminhão”, lembra. “O consultório era numa ladeira, estava no telefone com a minha mãe, mas o caminhão estava vindo e eu queria acabar com tudo ali porque não ia ter muito tempo de vida.” A mãe de Lucas, mesmo por telefone, conseguiu acalmá-lo e demovê-lo da ideia. Na época, ele estava morando em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e a mãe vivia em Colina, a 100 quilômetros de Ribeirão.
Mas o drama entre viver e morrer pautou a vida de Lucas por mais alguns anos...
“Eu nasci com HIV, então não existe uma data de descoberta, eu sempre soube que eu vivia com HIV”, conta a artista plástica e ativista Micaela Cyrino, de 30 anos. “E eu morei num abrigo para crianças com HIV, então era um assunto totalmente inserido no meu convívio.”
A mãe de Micaela morreu de causas relacionadas à AIDS quando a menina tinha apenas seis anos. Desde então e até os 18 anos, ela viveu no abrigo. “Quando eu era criança, já fazia o tratamento, era tudo explicado. Eu sempre soube que tinha alguma coisa que precisava cuidar, ia ao médico uma vez por mês”, lembra. “Mas eu comecei a falar sobre viver com HIV na adolescência, com 13 anos, justamente porque eu não conseguia entender por que eu não podia falar sobre HIV em alguns lugares.”
“Eu perdi minha mãe em decorrência da AIDS, mas eu estou viva, estou vivendo cada dia aqui e preciso falar sobre isso”, afirma ela. “Sempre convivi muito mais com pessoas que vivem com HIV então demorei um pouco para entender como o restante da sociedade lida com isso, como ela é preconceituosa.”
A recomendação, que Micaela começou a questionar, era a de não falar sobre o HIV fora do abrigo. “Na escola que eu frequentava, comecei a contar para as pessoas que eu tinha HIV e isso começou a gerar coisas não muito positivas, de exclusão. Mas vivia em outros ambientes também que me fortaleciam para conseguir falar. Participava de grupos de apoio e de grupo de teatro, que me incentivavam a falar.”
Micaela conta que no começo ouvia indiretas sobre o fato de falar “com orgulho sobre o HIV”. Não era orgulho, explica ela. “Mas sim o fato de eu falar sobre algo que eu vivo, de uma realidade que eu vivo. Já fui muito questionada nesse sentido, sobre qual a necessidade disso. Mas eu tenho certeza dessa necessidade”, afirma ela.
“A AIDS tem mais de 30 anos, existe tratamento, existe prevenção, mas não temos um diálogo avançado sobre isso, tudo é colocado como um problema do outro, não como um problema social a ser resolvido em sociedade. E falo da AIDS para além da transmissão, da biologia, do que acontece no corpo de alguém que vive com HIV, mas sobre como a sociedade olha para a epidemia. A gente avança muito clinicamente, mas as cabeças continuam as mesmas, ninguém quer falar sobre o assunto, ninguém quer fazer o teste, é uma coisa tipo deixa pra lá, não fala sobre isso, vamos fingir que não existe.”
Ao longo deste anos, Micaela conheceu as diferentes nuances do estigma e da discriminação...
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Tem medo de ficar doente só porque vive com HIV? Veja como o tratamento antirretroviral é um aliado e como conhecer seu corpo ajuda a identificar sintomas e melhorar o autocuidado.
Saiba maisQuando recebeu o resultado positivo para o HIV, em 2009, o ator e bailarino Rafael Bolacha, de 34 anos, foi até a praia (ele estava morando no Rio de Janeiro na época). Era noite, mas ele sentou na areia e chorou. “Sentei lá e chorei tudo o que tinha para chorar”, contou ele.
Naquele momento, ele pensou nas coisas que ele (achava na época) não poderia mais fazer, como ser pai ou continuar vivendo de seu trabalho como bailarino. Mas não passou por sua cabeça todas as coisas que conquistaria nos anos seguintes, como ter se transformado em um escritor, cineasta e ativista.
“Descobri (que estava vivendo com HIV) em 2009, por conta de uma diarreia”, conta Rafael. “Foi muito complicado. Naquela época, não se tinha muitas histórias, as referências eram antigas, foi difícil entender o que ia mudar na minha vida. Decidi parar alguns trabalhos, como ator e bailarino, e fui fazer uma faculdade de produção e política cultural no Rio. Foram três anos de faculdade.”
Na época, Rafael começou a escrever um blog, que chamou de Uma Vida Positiva. “Escrevendo, pude quebrar meus preconceitos, me entender, entender o que mudava na minha vida ou não, entender a rotina da medicação”, lembra. “Foi quando comecei a trocar informações com outras pessoas, familiares e gente que me mandava e-mails; vi que tínhamos uma carência enorme de pessoas abordando o tema. Então me lembro de ter pensado: poxa, se eu consigo ajudar pessoas assim, se eu colocar a minha cara, vou poder ajudar muito mais.”
Rafael decidiu, então, lançar um livro, com base nos próprios relatos feitos no blog. O livro, que recebeu o mesmo nome do blog, foi lançado no Dia Mundial contra a AIDS (1० de dezembro) de 2012. O lançamento rendeu uma longa entrevista ao jornal O Globo, com direito a uma chamada na primeira página.
“Era o meu nome e a minha cara na capa do jornal”, relembra. “Lembro que chorava, chorava, chorava. E quando as pessoas me perguntavam por que eu estava chorando, eu respondia: porque agora todo mundo sabe que eu vivo com HIV. Mas isso era bom ou ruim? Isso dava uma agonia enorme de pensar que iam relacionar o HIV comigo. Ao mesmo tempo, era uma liberdade sem tamanho poder ser quem eu era a partir daquele momento.”
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Quando soube que vivia com HIV, a reação de Daniel Fernandes, que hoje tem 34 anos, foi serena. Um namorado tinha contraído uma IST (infecção sexualmente transmissível) e Daniel resolveu acompanhá-lo ao posto de saúde para fazer exames. Como estavam juntos, a médica decidiu testar os dois. O resultado foi que o namorado não tinha o HIV. Mas Daniel sim.
A médica achou que Daniel estava em choque, ao receber o resultado, dada a sua tranquilidade. Mas ele garante que não foi assim. “Eu estava bem, estava realmente bem. Para mim, não foi tão assustador quanto para a maioria das pessoas. Eu já tinha conhecimento de como era viver com HIV porque eu trabalhava como voluntário num Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), então eu estava tranquilo”, conta ele. “Mas o meu namorado não, estava desesperado, chorando horrores.”
Mas como é que alguém que trabalha num CTA, que tem toda a informação sobre o HIV e a AIDS, pode se infectar? “Bom, eu sou humano, né? E o ser humano nem sempre coloca em prática aquilo que sabe, infelizmente, é uma realidade. Mas eu realmente recebi a notícia de boa. Acho que, de qualquer forma, a informação é muito importante para a gente poder ficar em paz, ficar mais tranquilo.”
Seguindo o conselho do irmão, que foi seu grande companheiro naquele momento, Daniel resolveu adotar a máxima de “conhecer o inimigo” ainda mais. “Foi o que eu fiz. Fui atrás de informação, comecei a conhecer pessoas que viviam com HIV, pessoas que já tinham nascido com o vírus”, lembra Daniel. “E comecei a ter preocupações que não tinha antes: comer bem, dormir bem. Quando você não se entrega à dor, ao problema, fica mais fácil levar adiante. E quando você se ama, é mais fácil vencer barreiras. O HIV deixou de ser um inimigo.”
A tarefa agora era levar esse conhecimento para outras pessoas, inclusive dentro da família…
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As pessoas que vivem com HIV devem ter todos os seus direitos respeitados, incluindo os sexuais e reprodutivos. Viver com HIV e ter filhos é possível. Conheça alguns dos caminhos.
Saiba mais“Eu nasci com HIV, então não existe uma data de descoberta, eu sempre soube que eu vivia com HIV”, conta a artista plástica e ativista Micaela Cyrino, de 30 anos. “E eu morei num abrigo para crianças com HIV, então era um assunto totalmente inserido no meu convívio.”
A mãe de Micaela morreu de causas relacionadas à AIDS quando a menina tinha apenas seis anos. Desde então e até os 18 anos, ela viveu no abrigo. “Quando eu era criança, já fazia o tratamento, era tudo explicado. Eu sempre soube que tinha alguma coisa que precisava cuidar, ia ao médico uma vez por mês”, lembra. “Mas eu comecei a falar sobre viver com HIV na adolescência, com 13 anos, justamente porque eu não conseguia entender por que eu não podia falar sobre HIV em alguns lugares.”
“Eu perdi minha mãe em decorrência da AIDS, mas eu estou viva, estou vivendo cada dia aqui e preciso falar sobre isso”, afirma ela. “Sempre convivi muito mais com pessoas que vivem com HIV então demorei um pouco para entender como o restante da sociedade lida com isso, como ela é preconceituosa.”
A recomendação, que Micaela começou a questionar, era a de não falar sobre o HIV fora do abrigo. “Na escola que eu frequentava, comecei a contar para as pessoas que eu tinha HIV e isso começou a gerar coisas não muito positivas, de exclusão. Mas vivia em outros ambientes também que me fortaleciam para conseguir falar. Participava de grupos de apoio e de grupo de teatro, que me incentivavam a falar.”
Micaela conta que no começo ouvia indiretas sobre o fato de falar “com orgulho sobre o HIV”. Não era orgulho, explica ela. “Mas sim o fato de eu falar sobre algo que eu vivo, de uma realidade que eu vivo. Já fui muito questionada nesse sentido, sobre qual a necessidade disso. Mas eu tenho certeza dessa necessidade”, afirma ela.
“A AIDS tem mais de 30 anos, existe tratamento, existe prevenção, mas não temos um diálogo avançado sobre isso, tudo é colocado como um problema do outro, não como um problema social a ser resolvido em sociedade. E falo da AIDS para além da transmissão, da biologia, do que acontece no corpo de alguém que vive com HIV, mas sobre como a sociedade olha para a epidemia. A gente avança muito clinicamente, mas as cabeças continuam as mesmas, ninguém quer falar sobre o assunto, ninguém quer fazer o teste, é uma coisa tipo deixa pra lá, não fala sobre isso, vamos fingir que não existe.”
Ao longo deste anos, Micaela conheceu as diferentes nuances do estigma e da discriminação...
O resultado positivo chegou para Silvia Almeida, de 54 anos, junto com uma grande sensação de alívio. É que no início de 1994, quando ela fez o teste para o HIV, não estava sozinha. O filho, de apenas um ano e quatro meses de idade, também foi testado. E o resultado dele foi negativo.
"Eu, claro, com 14 anos de casamento, sem usar camisinha, tinha certeza de que estaria com HIV. Minha preocupação era, na verdade, com o meu filho. E não deu outra, eu já estava com o vírus. Mas ele não."
Os anos seguintes foram ainda mais duros para Silvia. Além de lidar com a notícia de que era uma pessoa vivendo com HIV, ela cuidou do marido, já então muito doente, até sua morte, em julho de 1996. "O estado terminal dele durou dois anos, foi muito sofrimento", lembra ela. "A gente se gostava muito e vê-lo partir daquele jeito não foi fácil."
Ao sofrimento de ver o companheiro de toda a vida morrer, havia ainda que lidar com a informação de que tinha sido infectada por ele. E como será que ele se tornou soropositivo?
"Com todas as dúvidas, eu preferi não focar em como isso aconteceu, em como ele pegou, por que pegou, o que fez...", conta Silvia. "A verdade é que nada disso adiantava ou fazia diferença. E acho que nem ele sabia o que estava acontecendo direito. Então preferi não me ater em como ele se infectou."
Os dois sofreram juntos. "Eu cuidei dele até o fim", diz." Eu queria muito que ele tivesse conseguido esperar pela medicação. Mas ele morreu em julho, e o AZT—um dos primeiros antirretrovirais aprovados para uso no Brasil—só começou a ser entregue no fim daquele ano."
A nova vida de Silvia estava apenas começando...
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Sabia que os serviços de HIV do SUS são reconhecidos internacionalmente? Conheça os 3 princípios básicos de funcionamento do SUS e como a participação social ajuda a melhorar o sistema.
Saiba maisMulher, negra e moradora de uma comunidade no interior do Rio de Janeiro, a psicóloga Tamillys Lírio, de 28 anos, convive com o HIV desde 2015 quando participou de um curso de formação de jovens lideranças, organizado pelo UNAIDS e o Ministério da Saúde, com apoio de outras agências da ONU.
“O edital buscava jovens ativistas, vindos de populações vulneráveis que já tivessem algum tipo de atuação, algum envolvimento com o movimento social”, lembra ela. Eram mais de mil inscritos para apenas 50 vagas. E Tamillys foi selecionada. “Conheci uma gente linda, maravilhosa e guerreira”, conta, orgulhosa.
Há dez anos, Tamillys faz parte de uma ONG, a Nação Basquete de Rua, que trabalha com o esporte e também com o movimento hip hop com jovens das periferias e comunidades de Campos dos Goytacazes, no interior do Rio de Janeiro. “Nós trabalhamos o empoderamento dessa galera mais jovem por meio do esporte e da música”, explica a ativista.
O objetivo do curso de formação de jovens lideranças era, entre outras coisas, capacitar ativistas que já tivessem um trabalho importante em diferentes áreas para falar também de HIV junto a seus públicos. “No curso, tive contato muito mais a fundo com essa questão”, lembra Tamillys. “Apesar de ser psicóloga, de trabalhar na área de saúde, sei que o assunto ainda é tabu, não há informação correta, muitas coisas são estigmatizadas; com o curso pudemos dar visibilidade à pauta do HIV nos espaços que ocupamos.”
As experiências vividas como mulher negra e de periferia se somaram a essa nova perspectiva...
Nascido em Cornélio Procópio, uma cidade de 40 mil habitantes no interior do Paraná, Lucas Siqueira Dionísio, de 23 anos, interessou-se pela pauta LGBT e começou a conviver com o HIV tão logo se descobriu gay. “Me mudei para Curitiba para estudar e fazer ativismo e comecei a trabalhar como voluntário na ONG Grupo Dignidade, a segunda mais antiga do Brasil (criada em 1992). Uma das demandas da comunidade LGBT é justamente a questão HIV e da AIDS. E tive dois amigos que faleceram por conta da AIDS, gays e muito jovens”, conta Lucas.
Mesmo não sendo uma pessoa que vive com o HIV, Lucas conta que sente o preconceito na pele. “Quando você é gay, magrinho e trabalha com HIV, você tem HIV”, diz ele. “Mesmo não tendo, vejo o preconceito que se tem por conta do meu estereótipo e porque eu trabalho com essa temática.”
Atualmente, Lucas cursa Ciências Sociais e é o diretor administrativo da ONG, que oferece testagem, encaminhamento, apoio psicológico, diálogo com autoridades, prevenção, assessoria jurídica, entre muitas outras coisas.
Estudo e trabalho se reúnem no atendimento. “Atendo casos positivos num contexto social. Por que não usa preservativo? Por que não quis se testar? Por que não quer se tratar? Como estudante de Ciências Sociais, isso tudo me intriga bastante”, afirma, lembrando que 90% dos atendimentos da área de psicologia da ONG estão relacionados à baixa autoestima e tentativa de suicídio. “A verdade é que quando a pessoa não se ama, não se cuida.”
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Quem vive com HIV nunca está sozinho. Conheça as redes de pessoas vivendo com HIV e como encontrar pessoas que poderão ajudar neste novo caminho pós-diagnóstico positivo para HIV.
Saiba maisA certeza de que o exame de HIV daria positivo fez com que Lucrécia entrasse em desespero ainda antes de ter coragem de fazer o teste. O ano era 2014 e ela começou a ter uma febre alta, que não passava com nenhum remédio. Tinha também muita diarreia, náuseas, perda de peso excessiva. “Eu sentia muita fome, comia, comia, comia, mas emagrecia”, lembra ela. “Sentia muita fraqueza.”
“Fiz uma retrospectiva mental da minha vida, de tudo o que tinha feito, das práticas sexuais e fui para a internet para olhar quais eram os sinais e sintomas da AIDS. Vi que estava tudo batendo com o que eu estava sentindo e entrei em desespero”, conta Lucrécia. “Eu sabia o que tinha feito, sexualmente falando, e sem preservativo. Já sabia que ia dar positivo. Mas quando recebi o resultado, para mim aquilo era um ponto final.”
Naquela época, Lucrécia cursava o sexto período de geografia, em Palmas, na Universidade Federal do Tocantins. O diagnóstico veio como uma bomba em sua vida. “Para mim, foi como se tudo tivesse acabado”, diz ela, que, na ocasião, trancou a faculdade e voltou para sua cidade, no interior do estado. Lucrécia lembra que teve várias intercorrências médicas.
“Mesmo tomando o remédio, a minha imunidade baixou muito, meu organismo não aceitava a medicação”, afirma ela. “Meu psicológico também estava muito ruim, não conseguia levantar, tomar banho, me arrumar. A vida para mim tinha acabado, estava tudo escuro.”
Mas este foi só o começo de uma trajetória cheia de superações…
Quando soube que vivia com HIV, a reação de Daniel Fernandes, que hoje tem 34 anos, foi serena. Um namorado tinha contraído uma IST (infecção sexualmente transmissível) e Daniel resolveu acompanhá-lo ao posto de saúde para fazer exames. Como estavam juntos, a médica decidiu testar os dois. O resultado foi que o namorado não tinha o HIV. Mas Daniel sim.
A médica achou que Daniel estava em choque, ao receber o resultado, dada a sua tranquilidade. Mas ele garante que não foi assim. “Eu estava bem, estava realmente bem. Para mim, não foi tão assustador quanto para a maioria das pessoas. Eu já tinha conhecimento de como era viver com HIV porque eu trabalhava como voluntário num Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), então eu estava tranquilo”, conta ele. “Mas o meu namorado não, estava desesperado, chorando horrores.”
Mas como é que alguém que trabalha num CTA, que tem toda a informação sobre o HIV e a AIDS, pode se infectar? “Bom, eu sou humano, né? E o ser humano nem sempre coloca em prática aquilo que sabe, infelizmente, é uma realidade. Mas eu realmente recebi a notícia de boa. Acho que, de qualquer forma, a informação é muito importante para a gente poder ficar em paz, ficar mais tranquilo.”
Seguindo o conselho do irmão, que foi seu grande companheiro naquele momento, Daniel resolveu adotar a máxima de “conhecer o inimigo” ainda mais. “Foi o que eu fiz. Fui atrás de informação, comecei a conhecer pessoas que viviam com HIV, pessoas que já tinham nascido com o vírus”, lembra Daniel. “E comecei a ter preocupações que não tinha antes: comer bem, dormir bem. Quando você não se entrega à dor, ao problema, fica mais fácil levar adiante. E quando você se ama, é mais fácil vencer barreiras. O HIV deixou de ser um inimigo.”
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Venha refletir sobre um ponto muito importante: por que a epidemia de HIV tem crescido entre jovens? Como falar de sexualidade e prevenção dentro de casa, na escola e na comunidade?
Saiba maisNascido em Cornélio Procópio, uma cidade de 40 mil habitantes no interior do Paraná, Lucas Siqueira Dionísio, de 23 anos, interessou-se pela pauta LGBT e começou a conviver com o HIV tão logo se descobriu gay. “Me mudei para Curitiba para estudar e fazer ativismo e comecei a trabalhar como voluntário na ONG Grupo Dignidade, a segunda mais antiga do Brasil (criada em 1992). Uma das demandas da comunidade LGBT é justamente a questão HIV e da AIDS. E tive dois amigos que faleceram por conta da AIDS, gays e muito jovens”, conta Lucas.
Mesmo não sendo uma pessoa que vive com o HIV, Lucas conta que sente o preconceito na pele. “Quando você é gay, magrinho e trabalha com HIV, você tem HIV”, diz ele. “Mesmo não tendo, vejo o preconceito que se tem por conta do meu estereótipo e porque eu trabalho com essa temática.”
Atualmente, Lucas cursa Ciências Sociais e é o diretor administrativo da ONG, que oferece testagem, encaminhamento, apoio psicológico, diálogo com autoridades, prevenção, assessoria jurídica, entre muitas outras coisas.
Estudo e trabalho se reúnem no atendimento. “Atendo casos positivos num contexto social. Por que não usa preservativo? Por que não quis se testar? Por que não quer se tratar? Como estudante de Ciências Sociais, isso tudo me intriga bastante”, afirma, lembrando que 90% dos atendimentos da área de psicologia da ONG estão relacionados à baixa autoestima e tentativa de suicídio. “A verdade é que quando a pessoa não se ama, não se cuida.”
Mulher, negra e moradora de uma comunidade no interior do Rio de Janeiro, a psicóloga Tamillys Lírio, de 28 anos, convive com o HIV desde 2015 quando participou de um curso de formação de jovens lideranças, organizado pelo UNAIDS e o Ministério da Saúde, com apoio de outras agências da ONU.
“O edital buscava jovens ativistas, vindos de populações vulneráveis que já tivessem algum tipo de atuação, algum envolvimento com o movimento social”, lembra ela. Eram mais de mil inscritos para apenas 50 vagas. E Tamillys foi selecionada. “Conheci uma gente linda, maravilhosa e guerreira”, conta, orgulhosa.
Há dez anos, Tamillys faz parte de uma ONG, a Nação Basquete de Rua, que trabalha com o esporte e também com o movimento hip hop com jovens das periferias e comunidades de Campos dos Goytacazes, no interior do Rio de Janeiro. “Nós trabalhamos o empoderamento dessa galera mais jovem por meio do esporte e da música”, explica a ativista.
O objetivo do curso de formação de jovens lideranças era, entre outras coisas, capacitar ativistas que já tivessem um trabalho importante em diferentes áreas para falar também de HIV junto a seus públicos. “No curso, tive contato muito mais a fundo com essa questão”, lembra Tamillys. “Apesar de ser psicóloga, de trabalhar na área de saúde, sei que o assunto ainda é tabu, não há informação correta, muitas coisas são estigmatizadas; com o curso pudemos dar visibilidade à pauta do HIV nos espaços que ocupamos.”
As experiências vividas como mulher negra e de periferia se somaram a essa nova perspectiva...
Daniel Fernandes
Quando soube que vivia com HIV, a reação de Daniel Fernandes, que hoje tem 34 anos, foi serena. Um namorado tinha contraído uma IST (infecção sexualmente transmissível) e Daniel resolveu acompanhá-lo ao posto de saúde para fazer exames. Como estavam juntos, a médica decidiu testar os dois. O resultado foi que o namorado não tinha o HIV. Mas Daniel sim.
A médica achou que Daniel estava em choque, ao receber o resultado, dada a sua tranquilidade. Mas ele garante que não foi assim. “Eu estava bem, estava realmente bem. Para mim, não foi tão assustador quanto para a maioria das pessoas. Eu já tinha conhecimento de como era viver com HIV porque eu trabalhava como voluntário num Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), então eu estava tranquilo”, conta ele. “Mas o meu namorado não, estava desesperado, chorando horrores.”
Mas como é que alguém que trabalha num CTA, que tem toda a informação sobre o HIV e a AIDS, pode se infectar? “Bom, eu sou humano, né? E o ser humano nem sempre coloca em prática aquilo que sabe, infelizmente, é uma realidade. Mas eu realmente recebi a notícia de boa. Acho que, de qualquer forma, a informação é muito importante para a gente poder ficar em paz, ficar mais tranquilo.”
Seguindo o conselho do irmão, que foi seu grande companheiro naquele momento, Daniel resolveu adotar a máxima de “conhecer o inimigo” ainda mais. “Foi o que eu fiz. Fui atrás de informação, comecei a conhecer pessoas que viviam com HIV, pessoas que já tinham nascido com o vírus”, lembra Daniel. “E comecei a ter preocupações que não tinha antes: comer bem, dormir bem. Quando você não se entrega à dor, ao problema, fica mais fácil levar adiante. E quando você se ama, é mais fácil vencer barreiras. O HIV deixou de ser um inimigo.”
A tarefa agora era levar esse conhecimento para outras pessoas, inclusive dentro da família…
Gabriel Comicholi
“PÁ! Primeira sensação é isso. Parecia um PÁÁÁ. Não sei como definir”. Esse é o Gabriel Comicholi, de 23 anos, ator e youtuber, contando, online, como recebeu a notícia de que vivia com HIV. Logo depois, achou que ia morrer. Mas em pouco tempo, conseguiu processar de forma mais positiva o diagnóstico e transformá-lo em combustível para se expressar e disseminar informações em um canal no YouTube. A descoberta ocorreu no início de 2016, depois de um exame de rotina.
Num belo dia, Gabriel acordou com uma “bola no pescoço”, como ele descreve, e foi ao médico. A suspeita inicial era de uma prosaica caxumba, mas o especialista aproveitou sua ida ao consultório para pedir uma batelada de exames, entre eles o de HIV. Todos os resultados saíram, menos o do HIV. Gabriel recebeu então um telefonema do laboratório, informando que o teste tinha dado positivo e que seria preciso repeti-lo. O novo teste confirmou o diagnóstico.
Mesmo sem entender direito o que estava acontecendo, Gabriel foi para a frente do celular e gravou um vídeo de quase dez minutos (que seria o primeiro do seu canal no YouTube) falando sobre o diagnóstico e sobre o que estava sentindo. Ele também tratou de fazer um Skype com a mãe, que estava em Curitiba, enquanto ele vivia sozinho no Rio, e ela, imediatamente, mandou uma passagem para ele voltar para a sua cidade natal.
“Eu não esperava (o diagnóstico), nem imaginava, não sabia nem o que era direito”, admite ele. “Tinha uma ideia bem distante, bem distante mesmo; sabia que em alguma época pessoas morreram disso e ponto.” O primeiro contato com a família acabou sendo mais triste. “Acho que foi pior para a minha família do que para mim. Minha mãe chorou, teve todo aquele lance de achar que eu ia morrer no dia seguinte. Então, como era leigo, embarquei um pouco nessa onda ‘meu deus, estou com AIDS; meu deus, eu morro amanhã; meu deus, tenho tanta gente pra me despedir.’” Mas passado esse momento inicial, Gabriel começou a pesquisar sobre o vírus e a doença. “Na internet, percebi que havia muito material oficial, informação muito rebuscada, médica; no YouTube, então, não havia quase nada. Resolvi botar a minha cara nessa”, conta.
“Coloquei o vídeo que tinha feito na internet. E foi uma loucura. Foi quando o HIV entrou com tudo na minha vida...”
Gabriel Estrela
Silêncio. Esse o caminho seguido por Gabriel Estrela, de 26 anos, ao descobrir que eu vivia com HIV. Como ele mesmo conta, foram necessários alguns anos para que o diagnóstico fosse devidamente processado internamente e, finalmente, externado.
Gabriel não esperava o resultado positivo em 2010, quando fez o teste. “Acho que ninguém espera; ninguém espera que vai bater o carro, que o chão vai desabar de repente, que vai cair um raio. Ninguém acredita, mas essas coisas acontecem”, diz Gabriel.“Eu gosto dessa perspectiva porque a gente tira um pouco a noção de causa e consequência do processo da infecção pelo HIV. Por que você pegou? Como você pegou? Ah, eu transei sem camisinha e peguei. Mas não é tão simples assim, existe todo um contexto de vulnerabilidades que me levou para essa trajetória em que o HIV aconteceu.”
Na época, em 2010, no entanto, Gabriel não tinha essa clareza. “Não tinha essa noção, era surreal; e odeio quando as pessoas dizem, num contexto exclusivo, ‘o jovem acha que não vai acontecer com ele. Ora, o jovem, o velho, o rico, o pobre, ninguém acha que vai acontecer. Então fiquei muito sem chão”, diz. “E estar tão desesperado, me levou para a minha família, que me amparou. Tive muito pouco tempo desse desespero solitário que muita gente passa anos, às vezes a vida toda, sofrendo. Saí do médico de manhã e na hora do almoço já estava na casa da minha mãe, contando para ela que tinha o HIV.”
Mãe e filho choraram juntos sobre o diagnóstico. E Gabriel passou o restante do dia dormindo. “Quando acordei, no final da tarde, início da noite, meu pai e minha irmã estavam deitados na cama ao meu lado, todos muito dispostos a me ajudar. Então tive um desespero inicial, mas fui acolhido muito rapidamente.”Naquele momento inicial, no entanto, Gabriel decidiu que apenas poucas pessoas saberiam do diagnóstico. “Mantive a questão muito íntima, somente a família e os amigos mais próximos sabiam.” Um ano depois, ele começou a sentir a necessidade de exteriorizar a questão de alguma forma. “Escrevi uma peça e montei, sem falar que era autobiográfica, mas foi uma forma de lidar com a questão do HIV. E colocar para fora me ajudou muito a organizar e aceitar. Foi uma experiência muito boa, mas percebi que ainda não estava pronto para falar sobre aquilo abertamente. Então voltei a ficar silencioso sobre o HIV.”
Desse silêncio, as cortinas se abriram para que sua voz não mais se calasse...
João Netto
Para o estrategista de marketing e youtuber João Geraldo Netto, de 36 anos, o diagnóstico chegou há dez anos como uma bomba. Ele vivia um relacionamento estável há seis anos com um outro homem que, ele sabia, não tinha o HIV. O resultado positivo foi uma grande surpresa. “Nunca imaginei isso”, conta ele. “Surtei, fiquei louco, chorei muito, achei que tinha infectado ele.”
A soropositividade estava tão fora de questão que João nunca tinha feito o teste. “Fomos nos matricular numa academia e o médico pediu vários exames, entre eles, o de HIV. Eu cheguei a argumentar que não precisava porque sabia que meu namorado era negativo, tinha doado sangue fazia pouco tempo, mas ele insistiu e eu cedi.”2 De fato, o exame do namorado de João deu negativo. Mas o dele não. “Eu já devia estar infectado desde os 20 anos sem saber. E eu também não estava doente, não sentia nada.”
O namorado de João foi muito companheiro, segundo ele mesmo atesta. “Ficou junto de mim o tempo todo, se mostrou preocupado comigo. Tanto assim que continuamos o relacionamento por mais três anos e terminamos por outros motivos. Nesse sentido, não houve nenhum tipo de problema”, conta.
Como tantos outros que, naquela idade, testaram positivo, João foi para a internet pesquisar sobre a infecção. E como tantos outros também, descobriu que a maior parte das informações disponíveis online era do Ministério da Saúde ou de hospitais. “Não tinha ninguém que falasse sobre isso (de forma menos formal)”, constatou João que, imediatamente, resolveu assumir a tarefa. “Comecei a fazer vídeos simples, em casa mesmo, falando sobre o tema. Fui um dos primeiros a falar no YouTube sobre HIV e AIDS. E teve repercussão, as pessoas gostavam.”
Esses vídeos mexeram com a vida de João em todos os sentidos…
Lucas Raniel
O desespero de saber que vivia com HIV foi tão grande que a primeira coisa que passou pela cabeça do publicitário Lucas Raniel, de 26 anos, ao receber o diagnóstico, foi se matar. Mas não foi apenas um pensamento. Ele, de fato, tentou se jogar na frente de um caminhão. E houve ainda mais uma tentativa de suicídio até que Lucas pudesse lidar, de forma positiva, com o resultado, transformando-o numa forma de ajudar outras pessoas e, ao mesmo tempo, de se ajudar a aceitar as circunstâncias e continuar vivendo. Foi um longo caminho.
“Sou soropositivo há cinco anos, desde 2013”, conta Lucas. “Contrai o vírus numa noitada mesmo, numa festa da faculdade, com muita droga, com muito álcool, em que fui encontrar com um cara que conheci pelo aplicativo.” Lucas foi parar na casa do “date”, onde continuou bebendo e usando drogas. “Apaguei”, lembra ele. “Tenho flashes de memória de ele me levar para o quarto, e de eu sentir uma dor muito forte mas não conseguir me defender porque não conseguia me mexer.”
Um tempo depois, Lucas estava com sífilis perianal, mas não tinha um diagnóstico correto. Durante mais de seis meses achou que tinha hemorroidas e usava tratamentos caseiros para esse problema, postergando a ida ao médico especialista. “Eu estava emagrecendo muito, tinha manchas vermelhas pelo corpo, dor de cabeça. Acabei indo ao médico, um proctologista, que me pediu todos os exames que eu nunca tinha feito na vida, entre eles o HIV.”
Diante apenas da menção ao exame de HIV, Lucas já “deu uma pirada” e começou a fazer pesquisas na internet. “Na minha cabeça, era tudo morte. Comecei a pesquisar os sintomas e batia muito com o que eu tinha, com o que eu estava sentindo.” No dia em que foi buscar o resultado, Lucas conta que o médico foi bem seco. Disse apenas que o resultado era positivo e que iria encaminhá-lo para um infectologista.
“Eu saí do consultório desesperado, e foi minha primeira tentativa de suicídio: tentei me jogar na frente de um caminhão”, lembra. “O consultório era numa ladeira, estava no telefone com a minha mãe, mas o caminhão estava vindo e eu queria acabar com tudo ali porque não ia ter muito tempo de vida.” A mãe de Lucas, mesmo por telefone, conseguiu acalmá-lo e demovê-lo da ideia. Na época, ele estava morando em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e a mãe vivia em Colina, a 100 quilômetros de Ribeirão.
Mas o drama entre viver e morrer pautou a vida de Lucas por mais alguns anos...
Lucas Siqueira
Nascido em Cornélio Procópio, uma cidade de 40 mil habitantes no interior do Paraná, Lucas Siqueira Dionísio, de 23 anos, interessou-se pela pauta LGBT e começou a conviver com o HIV tão logo se descobriu gay. “Me mudei para Curitiba para estudar e fazer ativismo e comecei a trabalhar como voluntário na ONG Grupo Dignidade, a segunda mais antiga do Brasil (criada em 1992). Uma das demandas da comunidade LGBT é justamente a questão HIV e da AIDS. E tive dois amigos que faleceram por conta da AIDS, gays e muito jovens”, conta Lucas.
Mesmo não sendo uma pessoa que vive com o HIV, Lucas conta que sente o preconceito na pele. “Quando você é gay, magrinho e trabalha com HIV, você tem HIV”, diz ele. “Mesmo não tendo, vejo o preconceito que se tem por conta do meu estereótipo e porque eu trabalho com essa temática.”
Atualmente, Lucas cursa Ciências Sociais e é o diretor administrativo da ONG, que oferece testagem, encaminhamento, apoio psicológico, diálogo com autoridades, prevenção, assessoria jurídica, entre muitas outras coisas.
Estudo e trabalho se reúnem no atendimento. “Atendo casos positivos num contexto social. Por que não usa preservativo? Por que não quis se testar? Por que não quer se tratar? Como estudante de Ciências Sociais, isso tudo me intriga bastante”, afirma, lembrando que 90% dos atendimentos da área de psicologia da ONG estão relacionados à baixa autoestima e tentativa de suicídio. “A verdade é que quando a pessoa não se ama, não se cuida.”
Lucrécia Borges
A certeza de que o exame de HIV daria positivo fez com que Lucrécia entrasse em desespero ainda antes de ter coragem de fazer o teste. O ano era 2014 e ela começou a ter uma febre alta, que não passava com nenhum remédio. Tinha também muita diarreia, náuseas, perda de peso excessiva. “Eu sentia muita fome, comia, comia, comia, mas emagrecia”, lembra ela. “Sentia muita fraqueza.”
“Fiz uma retrospectiva mental da minha vida, de tudo o que tinha feito, das práticas sexuais e fui para a internet para olhar quais eram os sinais e sintomas da AIDS. Vi que estava tudo batendo com o que eu estava sentindo e entrei em desespero”, conta Lucrécia. “Eu sabia o que tinha feito, sexualmente falando, e sem preservativo. Já sabia que ia dar positivo. Mas quando recebi o resultado, para mim aquilo era um ponto final.”
Naquela época, Lucrécia cursava o sexto período de geografia, em Palmas, na Universidade Federal do Tocantins. O diagnóstico veio como uma bomba em sua vida. “Para mim, foi como se tudo tivesse acabado”, diz ela, que, na ocasião, trancou a faculdade e voltou para sua cidade, no interior do estado. Lucrécia lembra que teve várias intercorrências médicas.
“Mesmo tomando o remédio, a minha imunidade baixou muito, meu organismo não aceitava a medicação”, afirma ela. “Meu psicológico também estava muito ruim, não conseguia levantar, tomar banho, me arrumar. A vida para mim tinha acabado, estava tudo escuro.”
Mas este foi só o começo de uma trajetória cheia de superações…
Micaela Cyrino
“Eu nasci com HIV, então não existe uma data de descoberta, eu sempre soube que eu vivia com HIV”, conta a artista plástica e ativista Micaela Cyrino, de 30 anos. “E eu morei num abrigo para crianças com HIV, então era um assunto totalmente inserido no meu convívio.”
A mãe de Micaela morreu de causas relacionadas à AIDS quando a menina tinha apenas seis anos. Desde então e até os 18 anos, ela viveu no abrigo. “Quando eu era criança, já fazia o tratamento, era tudo explicado. Eu sempre soube que tinha alguma coisa que precisava cuidar, ia ao médico uma vez por mês”, lembra. “Mas eu comecei a falar sobre viver com HIV na adolescência, com 13 anos, justamente porque eu não conseguia entender por que eu não podia falar sobre HIV em alguns lugares.”
“Eu perdi minha mãe em decorrência da AIDS, mas eu estou viva, estou vivendo cada dia aqui e preciso falar sobre isso”, afirma ela. “Sempre convivi muito mais com pessoas que vivem com HIV então demorei um pouco para entender como o restante da sociedade lida com isso, como ela é preconceituosa.”
A recomendação, que Micaela começou a questionar, era a de não falar sobre o HIV fora do abrigo. “Na escola que eu frequentava, comecei a contar para as pessoas que eu tinha HIV e isso começou a gerar coisas não muito positivas, de exclusão. Mas vivia em outros ambientes também que me fortaleciam para conseguir falar. Participava de grupos de apoio e de grupo de teatro, que me incentivavam a falar.”
Micaela conta que no começo ouvia indiretas sobre o fato de falar “com orgulho sobre o HIV”. Não era orgulho, explica ela. “Mas sim o fato de eu falar sobre algo que eu vivo, de uma realidade que eu vivo. Já fui muito questionada nesse sentido, sobre qual a necessidade disso. Mas eu tenho certeza dessa necessidade”, afirma ela.
“A AIDS tem mais de 30 anos, existe tratamento, existe prevenção, mas não temos um diálogo avançado sobre isso, tudo é colocado como um problema do outro, não como um problema social a ser resolvido em sociedade. E falo da AIDS para além da transmissão, da biologia, do que acontece no corpo de alguém que vive com HIV, mas sobre como a sociedade olha para a epidemia. A gente avança muito clinicamente, mas as cabeças continuam as mesmas, ninguém quer falar sobre o assunto, ninguém quer fazer o teste, é uma coisa tipo deixa pra lá, não fala sobre isso, vamos fingir que não existe.”
Ao longo deste anos, Micaela conheceu as diferentes nuances do estigma e da discriminação...
Rafael Bolacha
Quando recebeu o resultado positivo para o HIV, em 2009, o ator e bailarino Rafael Bolacha, de 34 anos, foi até a praia (ele estava morando no Rio de Janeiro na época). Era noite, mas ele sentou na areia e chorou. “Sentei lá e chorei tudo o que tinha para chorar”, contou ele.
Naquele momento, ele pensou nas coisas que ele (achava na época) não poderia mais fazer, como ser pai ou continuar vivendo de seu trabalho como bailarino. Mas não passou por sua cabeça todas as coisas que conquistaria nos anos seguintes, como ter se transformado em um escritor, cineasta e ativista.
“Descobri (que estava vivendo com HIV) em 2009, por conta de uma diarreia”, conta Rafael. “Foi muito complicado. Naquela época, não se tinha muitas histórias, as referências eram antigas, foi difícil entender o que ia mudar na minha vida. Decidi parar alguns trabalhos, como ator e bailarino, e fui fazer uma faculdade de produção e política cultural no Rio. Foram três anos de faculdade.”
Na época, Rafael começou a escrever um blog, que chamou de Uma Vida Positiva. “Escrevendo, pude quebrar meus preconceitos, me entender, entender o que mudava na minha vida ou não, entender a rotina da medicação”, lembra. “Foi quando comecei a trocar informações com outras pessoas, familiares e gente que me mandava e-mails; vi que tínhamos uma carência enorme de pessoas abordando o tema. Então me lembro de ter pensado: poxa, se eu consigo ajudar pessoas assim, se eu colocar a minha cara, vou poder ajudar muito mais.”
Rafael decidiu, então, lançar um livro, com base nos próprios relatos feitos no blog. O livro, que recebeu o mesmo nome do blog, foi lançado no Dia Mundial contra a AIDS (1० de dezembro) de 2012. O lançamento rendeu uma longa entrevista ao jornal O Globo, com direito a uma chamada na primeira página.
“Era o meu nome e a minha cara na capa do jornal”, relembra. “Lembro que chorava, chorava, chorava. E quando as pessoas me perguntavam por que eu estava chorando, eu respondia: porque agora todo mundo sabe que eu vivo com HIV. Mas isso era bom ou ruim? Isso dava uma agonia enorme de pensar que iam relacionar o HIV comigo. Ao mesmo tempo, era uma liberdade sem tamanho poder ser quem eu era a partir daquele momento.”
O livro e a visibilidade como pessoa vivendo com HIV foram só o ponto de partida para vários projetos...
Ruggery Guto
Ruggery é gato. Bem gato. Moreno, alto, atlético. O rosto bonito é adornado por uns óculos estilosos, um corte de cabelo da moda e uma barba cuidadosamente aparada. No antebraço direito dá para entrever a tatuagem de um avião – uma de suas grandes paixões.
Além de ativista, o jovem de 28 anos é militar reformado pela Aeronáutica, formado em Gestão Pública e, atualmente, cursa a faculdade de Serviço Social. Seu sonho é se tornar professor universitário. Enquanto isso não acontece, ele presta trabalho voluntário para diversas ONGs e gosta de praticar esportes. Já correu três vezes a Meia Maratona do Rio e duas vezes a São Silvestre, em São Paulo.
Ruggery se identifica como a nova cara da epidemia de HIV.
“Eu disse em certa vez em uma entrevista que eu era ‘a cara da AIDS’. A frase surgiu desse estigma que ronda a doença: muita gente ainda acha que quem tem o vírus é muito magro, tem cara de doente, é necessariamente gay”, explica o estudante. “Eu usei a frase para dizer que não é assim, não tem isso, não existe ‘cara da AIDS’. O HIV não escolhe classe social, raça, sexo. Eu sou uma pessoa como outra qualquer e eu também sou a cara dessa epidemia.” Mas nem sempre foi tão simples assim falar de sua condição…
Silvia Almeida
O resultado positivo chegou para Silvia Almeida, de 54 anos, junto com uma grande sensação de alívio. É que no início de 1994, quando ela fez o teste para o HIV, não estava sozinha. O filho, de apenas um ano e quatro meses de idade, também foi testado. E o resultado dele foi negativo.
"Eu, claro, com 14 anos de casamento, sem usar camisinha, tinha certeza de que estaria com HIV. Minha preocupação era, na verdade, com o meu filho. E não deu outra, eu já estava com o vírus. Mas ele não."
Os anos seguintes foram ainda mais duros para Silvia. Além de lidar com a notícia de que era uma pessoa vivendo com HIV, ela cuidou do marido, já então muito doente, até sua morte, em julho de 1996. "O estado terminal dele durou dois anos, foi muito sofrimento", lembra ela. "A gente se gostava muito e vê-lo partir daquele jeito não foi fácil."
Ao sofrimento de ver o companheiro de toda a vida morrer, havia ainda que lidar com a informação de que tinha sido infectada por ele. E como será que ele se tornou soropositivo?
"Com todas as dúvidas, eu preferi não focar em como isso aconteceu, em como ele pegou, por que pegou, o que fez...", conta Silvia. "A verdade é que nada disso adiantava ou fazia diferença. E acho que nem ele sabia o que estava acontecendo direito. Então preferi não me ater em como ele se infectou."
Os dois sofreram juntos. "Eu cuidei dele até o fim", diz." Eu queria muito que ele tivesse conseguido esperar pela medicação. Mas ele morreu em julho, e o AZT—um dos primeiros antirretrovirais aprovados para uso no Brasil—só começou a ser entregue no fim daquele ano."
A nova vida de Silvia estava apenas começando...
Tamyllis Lírio
Mulher, negra e moradora de uma comunidade no interior do Rio de Janeiro, a psicóloga Tamillys Lírio, de 28 anos, convive com o HIV desde 2015 quando participou de um curso de formação de jovens lideranças, organizado pelo UNAIDS e o Ministério da Saúde, com apoio de outras agências da ONU.
“O edital buscava jovens ativistas, vindos de populações vulneráveis que já tivessem algum tipo de atuação, algum envolvimento com o movimento social”, lembra ela. Eram mais de mil inscritos para apenas 50 vagas. E Tamillys foi selecionada. “Conheci uma gente linda, maravilhosa e guerreira”, conta, orgulhosa.
Há dez anos, Tamillys faz parte de uma ONG, a Nação Basquete de Rua, que trabalha com o esporte e também com o movimento hip hop com jovens das periferias e comunidades de Campos dos Goytacazes, no interior do Rio de Janeiro. “Nós trabalhamos o empoderamento dessa galera mais jovem por meio do esporte e da música”, explica a ativista.
O objetivo do curso de formação de jovens lideranças era, entre outras coisas, capacitar ativistas que já tivessem um trabalho importante em diferentes áreas para falar também de HIV junto a seus públicos. “No curso, tive contato muito mais a fundo com essa questão”, lembra Tamillys. “Apesar de ser psicóloga, de trabalhar na área de saúde, sei que o assunto ainda é tabu, não há informação correta, muitas coisas são estigmatizadas; com o curso pudemos dar visibilidade à pauta do HIV nos espaços que ocupamos.”
As experiências vividas como mulher negra e de periferia se somaram a essa nova perspectiva...